Amor Selado                          

As cartas do nosso amor que por amizade selamos.

quarta-feira, 19 de abril de 2006

Querida Helena,
Já me perdi de tudo o que nós somos. É essa a verdade. Já não sei o amor, já não sei a dor. Já não vejo a luz do teu quarto. Pensei que o ciúme de que tentavas perfumar as tuas cartas tinha acabado, pensei que já tinhas decidido não abrir o meu peito em machadadas de casos teus. Porque é que fizeste isto neste tempo, eu não sei. Está tudo tão desesperadamente mal. Está tudo tão negro e estou farto de ser este carneiro que ninguém respeita. É pedir muito não me falares dos teus planos amorosos? E dessa maneira? Claro que eu quero saber de ti, mas falas-me dos teus encontros como se eu fosse parte interessada. Será que não percebes que por me dizeres o dia, nunca me sais do pensamento nesse dia? Não percebes que por me dizer a hora o meu estômago revolta-se durante o tempo que sabe que é outra boca que beijas?! Será que não percebes que ao dizeres-me o sitio onde vais estar com ele fazes com que tenha que me esbofetear a vontade de correr para esse mesmo sitio e ficar a ver quem é que escolheste para me preterir a mim??? Porque é que és incapaz de ver o sofrimento vermelho com que pintas o meu peito. Porque é que depois de todo o sofrimento que tenho que caminhar em brasa me espalhas alcool no corpo para que todo eu arda ainda de raiva e dor.
E eu que te pedi, pedi-te com a clareza que ainda me restava, para não encheres de sangue a próxima carta. Porque o teu sangue aos meus olhos são facas que vem colher o meu e espalha-lo em tudo o que te escrevo. Se não estivesse a minha mãe para me refrear esta cabeça que rodopia nervosa talvez já me tivesse afigurado à janela e ter-te-ia gritado tudo aquilo que me fazes morrer. Matas-me assim no teu sempre gelado caminho. A sangue frio que faz borbulhar o meu sangue quente demais. Pelo menos mata-me de uma vez, porque se as palavras me continuarem a sair ensanguentadas já nem vais conseguir perceber quem é o remetente e que te esqueças de quem eu sou eu não te permito. E não me vou permitir a nossa vida, se a hemorragia não parar.

terça-feira, 18 de abril de 2006

Querido Pedro,

Aperecebi-me, desde muito cedo, que nunca havíamos imaginado aquilo que nos esperava depois do Rio.
Sabíamos que iria ser uma constante surpresa naquilo que era esperado já. Sempre soubemos que seria cruel para connosco, soubemos que em momentos teríamos de ser cruéis um para com o outro, que haveria momentos em que, por não haver mais dentro de nós por onde se espalhar, o sofrimento se transformaria em lágrimas escritas e manchas no papel de carta.
Eu soube, desde a primeira vez que a "Estrela da Tarde" me soou a Amor que inevitavelmente teria de te magoar, que terias de me magoar. Sabia que teríamos de seguir em caminhos paraledos, magoados.
Estar com a tua mãe foi importante. Ouvir-lhe a voz, sentir-lhe o toque, partilhar dores de males aprisionados em nós que insistem em propagar-se por cada milímetro do que somos.
Ao invés de finjir que nada se passava, como disseste que teria feito, atentei-lhe no olhar e aprendi coisas muito importantes.
Apercebi-me de que realmente há coisas das quais devemos desistir, apercebi-me que assim que desistimos de algo nos devemos empenhar afincadamente num sonho diferente.
Mas dói. Agora que já o pensei e decidi, apercebo-me de que é bem mais difícil escrevê-lo. Escrever-to.
Só porque me é sempre difícil abandonar aquilo por que lutei e me sacrifiquei, me é difícil escrever-te esta carta. Mas se não o fizer já, se esta carta for parar ao cesto dos papéis, sei que não serei capaz de a escrever uma outra vez, porque eu sinto... e sinto que este é o salto pelo qual os meus pés gritavam.
Hoje o dia exibe-se, importante, decidido.
Decidi hoje reencrontrar-me com mais mais amor me deu e fez sentir. Com quem me pinta estrelas no tecto enfadonho da minha casa, quem me rasga sorrisos e arranca beijos.
É, sem dúvida, a pessoa mais importante para mim neste momento.
Desde que separámos os olhares que sabia que ia ser assim: que apesar de toda a confusão circundante acabaria por marcar o encontro de hoje, às 9:30, no..., com aquele que me roubou o sentimento que nem sabia poder sentir mas que já nascera em mim, antes do Rio e depois Dele.
Não me julgues Pedro, tenta perceber, é o melhor para nós e sei que também vais receber esta notícia com um sorriso porque sabes bem que que há pessoas que se precisam mais do que o próprio ar.
Pedro, por favor, não me apagues as estrelas.

segunda-feira, 17 de abril de 2006

Querida Helena,

Ontem fui a Travanca ver o meu pai e levar-lhe algumas coisas que a minha mãe mandou. Ela disse-me que te tinha ido ver. O assunto morreu ai. Hoje estava mais animada e encheu o frigorifico e enfeitou tudo o que podia enfeitar. Conseguiste o que eu ainda não tinha sido capaz. Anima-la. E não sei como o fizeste e isso é o que me incomoda mais. Não sei se foi só o teu sorriso ou a tua capacidade de fingir que nada se passa. Mas magoa-me. Magoa-me porque fazes-me invejar a minha mãe. Sabes o que isso é Helena? Sinto-me uma merda por invejar a minha própria mãe que tem uma doença grave. E eu sem doença nenhuma desejo-lhe a tua presença. Porque ela foi capaz de te levar a compaixão e deste-lhe o que não me dás a mim à meses. Nem um olhar eu tenho através do vidro que nos separa. A mim não me deste nada e à minha mãe és capaz de lhe dar tudo aquilo que eu desejo e cobiço. E além de ter de ver isso bem à minha frente fazes-me sentir a inveja de quem não a pode sentir. É sempre assim contigo já viste? Sentimentos que não se podem sentir.
Vês o que esta distância me faz? Já sinto só esta dor que se começa a transformar em ódio. Não podemos continuar assim Helena. Separamo-nos para não destruirmos a amizade e acabamos destruindo-nos a nós, a quem nos rodeia e até mesmo a essa amizade. Viajamos em movimentos transversais para não nos tocarmos e acabamos por nos tocar nessa intenção. Acabamos por nos unir mais nesta dança de loucos do que se dançassemos mesmo.
Vou deitar-me na banheira a ouvir um piano de agudos porque temo largar mais sangue numa carta que já está vermelha. E por favor não me mandes o teu sangue na próxima carta. Porque se não vamos passar a trocar sangue só, e no fim não restará nenhum vermelho para o rosa da amizade.

domingo, 16 de abril de 2006

Querido Pedro,
A tua mãe passou por aqui hoje. Abri a porta e lá estava ela, parou olhando-me. Confesso que me senti humilhada perante aquele olhar cheio de força.
Quase não falámos, o ar estava cheio de cumplicidade e de abraços. Ela olhava o caos do meu apartamento e ia-me lançando olhares compreensivos nenhuma de nós tinha a força necessária para organizar aquilo que nos rodeava.
Parou em frente a mim, tocou-me o rosto e abraçou-me. Voltou a parar em frente a mim, "Helena...", não foi preciso mais nada, a minha casa deixava transparecer a dor que ela não precisava de suportar. Resolvi levá-la a um lugar que lhe mostrasse que nada do que eu lhe pudesse dizer lhe daria tanta força quanto o cheiro da vida.
Jardins de Serralves. Sentámo-nos num banco, arranjou as golas da minha camisa e levantou-se. Aí sim, falámos e aí sim, houve sorrisos arrancados por entre lágrimas.
Sabes, nunca me custou tanto a escrever as palavras, como agora, ao contar-te as palavras da tua mãe...
Apertou-me as mãos com uma força que não lhe imaginava, as palavras dela fizeram-me fraca.
" A mim não me podes ajudar mais do que isto, mais do que esta certeza de que não estou sozinha não me podes dar..."
Sentou-se novamente a meu lado, fitava o ar em frente dela e vi-a fechar os olhos com a certeza de que me iria pedir algo, e pediu mesmo.
"O Pedro, ele... Bem, eu sei que ele está a ser o mais forte que consegue, pelo menos quando está a meu lado, mas eu sei que a força dele não dura até ao momento que chega a casa. Eu sei que vocês não se querem ver, mas por favor , ajuda-o. Primeiro esta vossa decisão ridícula, agora isto, eu não sei ele aguenta".
Respirou fundo e percebi no olhar seguro que ostentava o que me pedia. Ver-te, falar-te, abraçar-te.
Não sei o que queres fazer Pedro, não sei o que consigo fazer...
A tua mãe apertou-me as mãos, talvez o meu cheiro tenha ficado por lá.

sábado, 15 de abril de 2006

Querida Helena,
Não tenho que te prometer que vou ser forte, porque não é algo que possa escolher, vou ter de ser simplesmente. Isto está-me a afectar como nunca pensei mas tu sabes o que a minha mãe significa para mim. Ela reage muito melhor do que eu mas o medo que ela por dentro esteja a sofrer ainda mais faz-me largar tristeza por onde passe. A minha criatividade no atelier levou um golpe enorme e só me apetece desenhar a negro. Dou graças pelo fim-de-semana. Hoje ganhei forças e levei a minha mãe para fora de casa e até ao mar que ela tanto gosta de observar. Fez-me bem, fez-nos bem, mas ao jantar só me apetecia levá-la para lá outra vez porque na escuridão da minha casa tudo parece diferente.Já nem olho a elevisão, nem notícias me interessam, parece-me tudo tão pequeno à beira da minha desgraça pessoal. Eu sei que é ridículo e tremendamente egocentrico mas o mundo parou para mim.
Só tu continuas a andar, penso em ti a toda a hora. Penso como não será de o meu coração estar já de rastos que não aguento esta situação com mais bravura, penso se tu estivesses a meu lado a caminhada não seria bem mais fácil. E voltei a imaginar como tudo poderia ter sido diferente se não fosse aquela malfadada noite, volto à agonia dos se's e tudo se mistura num poço de dor e insegurança.
Falei à minha mãe sobre tu quereres vê-la ela vai tentar a sorte dela amanhã à tarde na tua casa. Ela mostrou-se interessada em que eu fosse com ela mas o meu olhar quando lhe respondi acabou com qualquer tipo de dúvida. Acho que a minha face se transfigura quando falo de ti porque toda a gente se parece redimir quando largo o teu nome em alguma conversa. Isto tem que acabar Helena, eu não aguento toda esta pressão, um mal de cada vez, pelo menos isso, e o da minha mãe não o posso sanar.
Desculpa se me deixei caminhar para trás de novo num percurso que tanto custou a desbravar, mas acho que me consegues compreender. Faz-me um favor pequenino ao menos, deixa o teu cheiro na mão da minha mãe.

sexta-feira, 14 de abril de 2006

Querido Pedro,
Cheguei hoje e não queria dar-te uma única palavra, só te queria ver, porque não sei que palavras se usam em momentos como este, em que nos sentimos num pequeno quarto que vai diminuindo ignorando a nossa pesença lá. Acabamos por desfalecer entre quatro paredes que julgámos ser seguras.
Sei que também preferias um abraço a esta carta, como eu gostaria de te pousar a cabeça no meu ombro e fazer-te festinhas no cabelo enquanto tu deixavas ruir o teu mundo para depois o reconstruíres, mais belo, com mais encanto, mais igual a ti.
Mas não sei se posso, não sei se te fará bem receber a minha entrega em pessoa para te apoiar neste momento. Por isso não o faço, sei que se realmente o quiseres (ou melhor, precisares) terás a força que por vezes pode parecer faltar-te.
Sei que é o que se diz sempre que uma sombra como esta se abate sobre uma casa, mas vais ter que ser forte, enfrentar o negro como o homem que um dia me fez plantar estrelas no céu. Tens que ser forte não só por ti, mas principalmente pela tua mãe. Suponho que esteja aterrada, mesmo sem o demonstrar, o facto de ser uma operação usual nos dias que correm não impede que também ela se sinta dentro do quarto que a vai sufocando.
Dá-lhe a mão, beija-a, abraça-a e sente o seu toque como se nunca o tivesses feito antes, ela precisa de ti.
Sabes, acho que a vou ver, ainda tenho o contacto dela e acho que ela vai gostar de saber que eu ainda estou lá para ela, quando for preciso.
Promete-me que vais levantar o rosto e suportar a luz do sol sem deixar que ele te queime , promete-me que és capaz...

quinta-feira, 13 de abril de 2006

Querida Helena,
Acho que chegas amanhã, e não podia estar mais necessitado da tua vinda. A minha mãe está a morar cá no Porto comigo. O meu pai ficou lá contra a minha vontade mas a mando da minha mãe. Dois porcos são mais importantes do que ela, pelos vistos. Tem andado a fazer exames atrás de exames para ser operada. Vão-lhe tirar um seio. Ainda me custa tanto pensar nisto. Precisava mesmo da tua presença, por isso te peço que voltes rápido.
Tenho falado com a Joana, mas ela enche-se de lágrimas ao ouvir-me falar e não é isso que preciso ver. Nem eu sei do que preciso já. Preciso de ti Helena. Falei á tua irmã e ela disse-me que voltavas amanhã. Mal chegues escreve-me, estou a precisar tanto das tuas palavras...
Beijo-te aqui na noite da tua ausência e olho o céu esperando ver a luz.

sexta-feira, 7 de abril de 2006

Querida Helena,
há uma semana que não te sei. Não sei como estás a conseguir seguir aí tão longe de mim. Acho que o estás a fazer só para provares que é forte. Acho que queres atropelar a minha lembrança e por isso fugiste-me deixando-me aqui a sufocar. Ouço o mestre Paredes a ordenar-me Muda de vida, mas eu continuo aqui a olhar para cima esperando a tua luz.
Tudo piorou desde que te foste embora. Na terça quando cheguei a casa encontrei a minha mãe ocupada em limpezas e arrumações mesmo depois de o sol já ter fugido. Estranhei. Sabes bem como ela gosta de me mandar fazer em vez de fazer ela e depois dar-me o sermão. Mas limpava tão concentradamente que parecia que tudo estava infectado com alguma doença. Foi exactamente este o meu pensamento naquela tarde e foi por isso que aproveitando o peso de ser a minha a mandei sentar e explicar-me o que se passava. Era pior do que eu imaginava. Bem sei que acontece a muitas mulheres da idade dela mas esta mulher é a minha mãe. Doeu-me de uma maneira que não pensasse ser possivel depois de todo o sofrimento que tenho passado. Agarrei-me a ela e só a voltei a largar quando entrou na camioneta. Pelos vistos já algum tempo ela desconfiava da doença, fez exames , tudo sem me dizer palavra porque achava que já "andava muito triste e não tinha necessidade de me preocupar com coisas sem importância". E agora de todas as alturas preciso-te. Aqui. Mas tu teimas em ficar nesse país de que nunca gostaste. Volta por favor, deixo-te um beijo ao teu regresso.

segunda-feira, 3 de abril de 2006

Querida Helena,
Escrevo-te mesmo sabendo que só me vais ler daqui a uns dias quando voltares. Quando li a tua carta pensei ser uma pequena brincadeira do dia em que te li. Era dia das mentiras e tomei a tua carta como tal. Mas o teu carro deixou de estar estacionado à porta do teu prédio e por muito que perscrutasse a rua não o encontrei. E vi-me abandonado. Bem sei que não nos vemos mas sempre soube que aí estavas á minha espera se eu precisasse.É como o trapezista saber que a rede está antes do chão ainda que não vá cair. Tu não sabes porque foste para a Espanha, mas ficar aqui no meu mundo sem ti levou-me ainda mais à minha solidão, a minha prisão. O fim-de-semana passei-o em casa olhando o teu apartamento esperando ver-te ou sentir a tua presença, mas tu teimas em ficar onde estás sem sentires a minha falta. Não sei se alguém ficou encarregue de te ver o correio nem quero saber, porque seria pior se soubesse que mãos que não as tuas abririam o meu envelope, que olhos que não os teus lessem esta carta.
A vida corre-me tão cinzenta que já não sei o que fazer. Amanha vou com a minha mãe ao médico. Vai ficar a dormir em minha casa e tenho que arrumar tudo isto se não quero passar o próximo mês a ouvi-la . Talvez te escreva mais na tua ausência, talvez não a suporte e desista de tudo isto, talvez venhas antes.
Mesmo sem o leres que o meu beijo te adormeça esta noite.