Amor Selado                          

As cartas do nosso amor que por amizade selamos.

quarta-feira, 19 de abril de 2006

Querida Helena,
Já me perdi de tudo o que nós somos. É essa a verdade. Já não sei o amor, já não sei a dor. Já não vejo a luz do teu quarto. Pensei que o ciúme de que tentavas perfumar as tuas cartas tinha acabado, pensei que já tinhas decidido não abrir o meu peito em machadadas de casos teus. Porque é que fizeste isto neste tempo, eu não sei. Está tudo tão desesperadamente mal. Está tudo tão negro e estou farto de ser este carneiro que ninguém respeita. É pedir muito não me falares dos teus planos amorosos? E dessa maneira? Claro que eu quero saber de ti, mas falas-me dos teus encontros como se eu fosse parte interessada. Será que não percebes que por me dizeres o dia, nunca me sais do pensamento nesse dia? Não percebes que por me dizer a hora o meu estômago revolta-se durante o tempo que sabe que é outra boca que beijas?! Será que não percebes que ao dizeres-me o sitio onde vais estar com ele fazes com que tenha que me esbofetear a vontade de correr para esse mesmo sitio e ficar a ver quem é que escolheste para me preterir a mim??? Porque é que és incapaz de ver o sofrimento vermelho com que pintas o meu peito. Porque é que depois de todo o sofrimento que tenho que caminhar em brasa me espalhas alcool no corpo para que todo eu arda ainda de raiva e dor.
E eu que te pedi, pedi-te com a clareza que ainda me restava, para não encheres de sangue a próxima carta. Porque o teu sangue aos meus olhos são facas que vem colher o meu e espalha-lo em tudo o que te escrevo. Se não estivesse a minha mãe para me refrear esta cabeça que rodopia nervosa talvez já me tivesse afigurado à janela e ter-te-ia gritado tudo aquilo que me fazes morrer. Matas-me assim no teu sempre gelado caminho. A sangue frio que faz borbulhar o meu sangue quente demais. Pelo menos mata-me de uma vez, porque se as palavras me continuarem a sair ensanguentadas já nem vais conseguir perceber quem é o remetente e que te esqueças de quem eu sou eu não te permito. E não me vou permitir a nossa vida, se a hemorragia não parar.

terça-feira, 18 de abril de 2006

Querido Pedro,

Aperecebi-me, desde muito cedo, que nunca havíamos imaginado aquilo que nos esperava depois do Rio.
Sabíamos que iria ser uma constante surpresa naquilo que era esperado já. Sempre soubemos que seria cruel para connosco, soubemos que em momentos teríamos de ser cruéis um para com o outro, que haveria momentos em que, por não haver mais dentro de nós por onde se espalhar, o sofrimento se transformaria em lágrimas escritas e manchas no papel de carta.
Eu soube, desde a primeira vez que a "Estrela da Tarde" me soou a Amor que inevitavelmente teria de te magoar, que terias de me magoar. Sabia que teríamos de seguir em caminhos paraledos, magoados.
Estar com a tua mãe foi importante. Ouvir-lhe a voz, sentir-lhe o toque, partilhar dores de males aprisionados em nós que insistem em propagar-se por cada milímetro do que somos.
Ao invés de finjir que nada se passava, como disseste que teria feito, atentei-lhe no olhar e aprendi coisas muito importantes.
Apercebi-me de que realmente há coisas das quais devemos desistir, apercebi-me que assim que desistimos de algo nos devemos empenhar afincadamente num sonho diferente.
Mas dói. Agora que já o pensei e decidi, apercebo-me de que é bem mais difícil escrevê-lo. Escrever-to.
Só porque me é sempre difícil abandonar aquilo por que lutei e me sacrifiquei, me é difícil escrever-te esta carta. Mas se não o fizer já, se esta carta for parar ao cesto dos papéis, sei que não serei capaz de a escrever uma outra vez, porque eu sinto... e sinto que este é o salto pelo qual os meus pés gritavam.
Hoje o dia exibe-se, importante, decidido.
Decidi hoje reencrontrar-me com mais mais amor me deu e fez sentir. Com quem me pinta estrelas no tecto enfadonho da minha casa, quem me rasga sorrisos e arranca beijos.
É, sem dúvida, a pessoa mais importante para mim neste momento.
Desde que separámos os olhares que sabia que ia ser assim: que apesar de toda a confusão circundante acabaria por marcar o encontro de hoje, às 9:30, no..., com aquele que me roubou o sentimento que nem sabia poder sentir mas que já nascera em mim, antes do Rio e depois Dele.
Não me julgues Pedro, tenta perceber, é o melhor para nós e sei que também vais receber esta notícia com um sorriso porque sabes bem que que há pessoas que se precisam mais do que o próprio ar.
Pedro, por favor, não me apagues as estrelas.

segunda-feira, 17 de abril de 2006

Querida Helena,

Ontem fui a Travanca ver o meu pai e levar-lhe algumas coisas que a minha mãe mandou. Ela disse-me que te tinha ido ver. O assunto morreu ai. Hoje estava mais animada e encheu o frigorifico e enfeitou tudo o que podia enfeitar. Conseguiste o que eu ainda não tinha sido capaz. Anima-la. E não sei como o fizeste e isso é o que me incomoda mais. Não sei se foi só o teu sorriso ou a tua capacidade de fingir que nada se passa. Mas magoa-me. Magoa-me porque fazes-me invejar a minha mãe. Sabes o que isso é Helena? Sinto-me uma merda por invejar a minha própria mãe que tem uma doença grave. E eu sem doença nenhuma desejo-lhe a tua presença. Porque ela foi capaz de te levar a compaixão e deste-lhe o que não me dás a mim à meses. Nem um olhar eu tenho através do vidro que nos separa. A mim não me deste nada e à minha mãe és capaz de lhe dar tudo aquilo que eu desejo e cobiço. E além de ter de ver isso bem à minha frente fazes-me sentir a inveja de quem não a pode sentir. É sempre assim contigo já viste? Sentimentos que não se podem sentir.
Vês o que esta distância me faz? Já sinto só esta dor que se começa a transformar em ódio. Não podemos continuar assim Helena. Separamo-nos para não destruirmos a amizade e acabamos destruindo-nos a nós, a quem nos rodeia e até mesmo a essa amizade. Viajamos em movimentos transversais para não nos tocarmos e acabamos por nos tocar nessa intenção. Acabamos por nos unir mais nesta dança de loucos do que se dançassemos mesmo.
Vou deitar-me na banheira a ouvir um piano de agudos porque temo largar mais sangue numa carta que já está vermelha. E por favor não me mandes o teu sangue na próxima carta. Porque se não vamos passar a trocar sangue só, e no fim não restará nenhum vermelho para o rosa da amizade.

domingo, 16 de abril de 2006

Querido Pedro,
A tua mãe passou por aqui hoje. Abri a porta e lá estava ela, parou olhando-me. Confesso que me senti humilhada perante aquele olhar cheio de força.
Quase não falámos, o ar estava cheio de cumplicidade e de abraços. Ela olhava o caos do meu apartamento e ia-me lançando olhares compreensivos nenhuma de nós tinha a força necessária para organizar aquilo que nos rodeava.
Parou em frente a mim, tocou-me o rosto e abraçou-me. Voltou a parar em frente a mim, "Helena...", não foi preciso mais nada, a minha casa deixava transparecer a dor que ela não precisava de suportar. Resolvi levá-la a um lugar que lhe mostrasse que nada do que eu lhe pudesse dizer lhe daria tanta força quanto o cheiro da vida.
Jardins de Serralves. Sentámo-nos num banco, arranjou as golas da minha camisa e levantou-se. Aí sim, falámos e aí sim, houve sorrisos arrancados por entre lágrimas.
Sabes, nunca me custou tanto a escrever as palavras, como agora, ao contar-te as palavras da tua mãe...
Apertou-me as mãos com uma força que não lhe imaginava, as palavras dela fizeram-me fraca.
" A mim não me podes ajudar mais do que isto, mais do que esta certeza de que não estou sozinha não me podes dar..."
Sentou-se novamente a meu lado, fitava o ar em frente dela e vi-a fechar os olhos com a certeza de que me iria pedir algo, e pediu mesmo.
"O Pedro, ele... Bem, eu sei que ele está a ser o mais forte que consegue, pelo menos quando está a meu lado, mas eu sei que a força dele não dura até ao momento que chega a casa. Eu sei que vocês não se querem ver, mas por favor , ajuda-o. Primeiro esta vossa decisão ridícula, agora isto, eu não sei ele aguenta".
Respirou fundo e percebi no olhar seguro que ostentava o que me pedia. Ver-te, falar-te, abraçar-te.
Não sei o que queres fazer Pedro, não sei o que consigo fazer...
A tua mãe apertou-me as mãos, talvez o meu cheiro tenha ficado por lá.

sábado, 15 de abril de 2006

Querida Helena,
Não tenho que te prometer que vou ser forte, porque não é algo que possa escolher, vou ter de ser simplesmente. Isto está-me a afectar como nunca pensei mas tu sabes o que a minha mãe significa para mim. Ela reage muito melhor do que eu mas o medo que ela por dentro esteja a sofrer ainda mais faz-me largar tristeza por onde passe. A minha criatividade no atelier levou um golpe enorme e só me apetece desenhar a negro. Dou graças pelo fim-de-semana. Hoje ganhei forças e levei a minha mãe para fora de casa e até ao mar que ela tanto gosta de observar. Fez-me bem, fez-nos bem, mas ao jantar só me apetecia levá-la para lá outra vez porque na escuridão da minha casa tudo parece diferente.Já nem olho a elevisão, nem notícias me interessam, parece-me tudo tão pequeno à beira da minha desgraça pessoal. Eu sei que é ridículo e tremendamente egocentrico mas o mundo parou para mim.
Só tu continuas a andar, penso em ti a toda a hora. Penso como não será de o meu coração estar já de rastos que não aguento esta situação com mais bravura, penso se tu estivesses a meu lado a caminhada não seria bem mais fácil. E voltei a imaginar como tudo poderia ter sido diferente se não fosse aquela malfadada noite, volto à agonia dos se's e tudo se mistura num poço de dor e insegurança.
Falei à minha mãe sobre tu quereres vê-la ela vai tentar a sorte dela amanhã à tarde na tua casa. Ela mostrou-se interessada em que eu fosse com ela mas o meu olhar quando lhe respondi acabou com qualquer tipo de dúvida. Acho que a minha face se transfigura quando falo de ti porque toda a gente se parece redimir quando largo o teu nome em alguma conversa. Isto tem que acabar Helena, eu não aguento toda esta pressão, um mal de cada vez, pelo menos isso, e o da minha mãe não o posso sanar.
Desculpa se me deixei caminhar para trás de novo num percurso que tanto custou a desbravar, mas acho que me consegues compreender. Faz-me um favor pequenino ao menos, deixa o teu cheiro na mão da minha mãe.

sexta-feira, 14 de abril de 2006

Querido Pedro,
Cheguei hoje e não queria dar-te uma única palavra, só te queria ver, porque não sei que palavras se usam em momentos como este, em que nos sentimos num pequeno quarto que vai diminuindo ignorando a nossa pesença lá. Acabamos por desfalecer entre quatro paredes que julgámos ser seguras.
Sei que também preferias um abraço a esta carta, como eu gostaria de te pousar a cabeça no meu ombro e fazer-te festinhas no cabelo enquanto tu deixavas ruir o teu mundo para depois o reconstruíres, mais belo, com mais encanto, mais igual a ti.
Mas não sei se posso, não sei se te fará bem receber a minha entrega em pessoa para te apoiar neste momento. Por isso não o faço, sei que se realmente o quiseres (ou melhor, precisares) terás a força que por vezes pode parecer faltar-te.
Sei que é o que se diz sempre que uma sombra como esta se abate sobre uma casa, mas vais ter que ser forte, enfrentar o negro como o homem que um dia me fez plantar estrelas no céu. Tens que ser forte não só por ti, mas principalmente pela tua mãe. Suponho que esteja aterrada, mesmo sem o demonstrar, o facto de ser uma operação usual nos dias que correm não impede que também ela se sinta dentro do quarto que a vai sufocando.
Dá-lhe a mão, beija-a, abraça-a e sente o seu toque como se nunca o tivesses feito antes, ela precisa de ti.
Sabes, acho que a vou ver, ainda tenho o contacto dela e acho que ela vai gostar de saber que eu ainda estou lá para ela, quando for preciso.
Promete-me que vais levantar o rosto e suportar a luz do sol sem deixar que ele te queime , promete-me que és capaz...

quinta-feira, 13 de abril de 2006

Querida Helena,
Acho que chegas amanhã, e não podia estar mais necessitado da tua vinda. A minha mãe está a morar cá no Porto comigo. O meu pai ficou lá contra a minha vontade mas a mando da minha mãe. Dois porcos são mais importantes do que ela, pelos vistos. Tem andado a fazer exames atrás de exames para ser operada. Vão-lhe tirar um seio. Ainda me custa tanto pensar nisto. Precisava mesmo da tua presença, por isso te peço que voltes rápido.
Tenho falado com a Joana, mas ela enche-se de lágrimas ao ouvir-me falar e não é isso que preciso ver. Nem eu sei do que preciso já. Preciso de ti Helena. Falei á tua irmã e ela disse-me que voltavas amanhã. Mal chegues escreve-me, estou a precisar tanto das tuas palavras...
Beijo-te aqui na noite da tua ausência e olho o céu esperando ver a luz.

sexta-feira, 7 de abril de 2006

Querida Helena,
há uma semana que não te sei. Não sei como estás a conseguir seguir aí tão longe de mim. Acho que o estás a fazer só para provares que é forte. Acho que queres atropelar a minha lembrança e por isso fugiste-me deixando-me aqui a sufocar. Ouço o mestre Paredes a ordenar-me Muda de vida, mas eu continuo aqui a olhar para cima esperando a tua luz.
Tudo piorou desde que te foste embora. Na terça quando cheguei a casa encontrei a minha mãe ocupada em limpezas e arrumações mesmo depois de o sol já ter fugido. Estranhei. Sabes bem como ela gosta de me mandar fazer em vez de fazer ela e depois dar-me o sermão. Mas limpava tão concentradamente que parecia que tudo estava infectado com alguma doença. Foi exactamente este o meu pensamento naquela tarde e foi por isso que aproveitando o peso de ser a minha a mandei sentar e explicar-me o que se passava. Era pior do que eu imaginava. Bem sei que acontece a muitas mulheres da idade dela mas esta mulher é a minha mãe. Doeu-me de uma maneira que não pensasse ser possivel depois de todo o sofrimento que tenho passado. Agarrei-me a ela e só a voltei a largar quando entrou na camioneta. Pelos vistos já algum tempo ela desconfiava da doença, fez exames , tudo sem me dizer palavra porque achava que já "andava muito triste e não tinha necessidade de me preocupar com coisas sem importância". E agora de todas as alturas preciso-te. Aqui. Mas tu teimas em ficar nesse país de que nunca gostaste. Volta por favor, deixo-te um beijo ao teu regresso.

segunda-feira, 3 de abril de 2006

Querida Helena,
Escrevo-te mesmo sabendo que só me vais ler daqui a uns dias quando voltares. Quando li a tua carta pensei ser uma pequena brincadeira do dia em que te li. Era dia das mentiras e tomei a tua carta como tal. Mas o teu carro deixou de estar estacionado à porta do teu prédio e por muito que perscrutasse a rua não o encontrei. E vi-me abandonado. Bem sei que não nos vemos mas sempre soube que aí estavas á minha espera se eu precisasse.É como o trapezista saber que a rede está antes do chão ainda que não vá cair. Tu não sabes porque foste para a Espanha, mas ficar aqui no meu mundo sem ti levou-me ainda mais à minha solidão, a minha prisão. O fim-de-semana passei-o em casa olhando o teu apartamento esperando ver-te ou sentir a tua presença, mas tu teimas em ficar onde estás sem sentires a minha falta. Não sei se alguém ficou encarregue de te ver o correio nem quero saber, porque seria pior se soubesse que mãos que não as tuas abririam o meu envelope, que olhos que não os teus lessem esta carta.
A vida corre-me tão cinzenta que já não sei o que fazer. Amanha vou com a minha mãe ao médico. Vai ficar a dormir em minha casa e tenho que arrumar tudo isto se não quero passar o próximo mês a ouvi-la . Talvez te escreva mais na tua ausência, talvez não a suporte e desista de tudo isto, talvez venhas antes.
Mesmo sem o leres que o meu beijo te adormeça esta noite.

quinta-feira, 30 de março de 2006

Querido Pedro,
Eu caio tanto quanto tu, a diferença é que o peso que se abate sobre o meu coração não é suficiente para me enfraquecer as pernas.
As memórias têm em mim o efeito contrário, quase me fazem desfalecer. A força, essa, vem de dentro de mim e do passado, porque apesar de serem as memórias a magoarem-me, são também elas que me falam de ti, quase incessantemente.
Não to disse na última carta, mas fiquei feliz por teres caminhado na fonte. Muito feliz. Foi como que uma batalha interior que penso que acabaste por ganhar, e por isso, só posso estar orgulhosa de ti.
Não sei o que seria de nós se a Joana não estivesse sempre ao nosso lado, para nos fazer sorrir, chorar, ou até confrontar com a realidade que teimamos em camuflar com as cores da coragem ou mesmo da loucura.
Recordo tão bem aquela noite! Essa e todas as outras em que ao teu lado fui só o que o luar me pedia. Sabes, uma das coisas de que mais sinto falta é de me fazeres festinhas e de brincares com o meu cabelo, enquanto eu, com a cabeça no teu colo, acabava por adormecer.
Nem sei como vou conseguir abdicar das tuas cartas nestas duas semanas que aí vêm... vou ter que me ausentar em trabalho, mas levo-te comigo, tal como as cartas, atadas por um cordel velho, como nos filmes antigos que contigo via.
Desculpa-me a brevidade da carta, desculpa-me as poucas palavras, mas como alguém dizia: "o silêncio também é música" e por hoje, esta é a melodia que te posso oferecer.
Vou estar fora, em Espanha, mas levo um beijo teu no dedo polegar, para que possa senti-lo, sempre que quiser. E não quero saber se alguém pensar que, tal como os bébes, tenho a mania de chuchar no dedo, porque por ti eu não me importo de parecer louca, a loucura que me provocas é totalmente sã.

quarta-feira, 29 de março de 2006

Querida Helena,
Tu podes levantar-te, tu podes evitar cair inclusivé. Eu cai, cai na quinta e julguei faltarem-me as pernas, julguei-me para sempre preso a este chão. Mas as nossas memórias provaram-me o contrário, apoiaram-me enquanto me erguia. Se elas não servem para ti, procura então algo que te ajude a subir.
Já nem me lembrava de ter escrito que não podia andar na fonte, é outro dos problemas das cartas, tu podes ler as minhas vezes sem conta como eu leio as tuas, mas as palavras que digo só tu guardas e nunca as poderei reaver. A verdade é que pude, talvez conduzido pela loucura, pelo desespero que foi o último fim-de-semana, mas que agora sinto sereno e calmo.
Hoje estive com a Joana, junto ao mar com as ondas a rebentarem contra o carro dela, nós dentro do carro inventavamos a nossa tempestade. Discutimos arduamente, mas no fim acabamos por nos compreender mutuamente e isso acalmou-me infinitamente. De tal forma que até tive coragem de olhar para cima não receando a tua presença na janela.
Apesar de tudo vi a Lua, e ela trouxe-me uma noite de conversas eternas na tua varanda. Sentados nas cadeiras brancas de apanhar sol olhávamos a Lua e brincavamos com as estrelas. Nunca esquecerei essa noite por me lembrar claramente do que acendeu o rastilho na minha cabeça(não confundas com o coração!). Não te lembras? Consigo por-te a falar como num gravador: "Já viste como seria espetacular se namorassemos? Seriamos um tão bom casal, com discussões à séria mas com tantos sorrisos... É uma pena não gostarmos um do outro."
E assim me deixas de novo prostrado na nostalgia que me vem atacando de novo. Queria ceder-me a ela, mas se o fizer ela desaparece. Não é esse o preceito dela? E o teu também.
Beijo-te de olhos fechados ainda, não por ter medo de te ver, mas por gostar mais de evocar a tua imagem de sempre.

terça-feira, 28 de março de 2006

Querido Pedro,
Hoje sinto-me em ti, não quero respeitar as regras absurdas das cartas bem estruturadas, não quero perguntar como estás, não quero. Foi uma das melhores coisas que me ensinaste: quebrar regras.
Escrevo-te esta carta sentada na janela, uma perna dentro do quarto que já não reconheço como meu, outra perna sente o vento que traz em si o som do sentir. Vou-me deixando invadir pelo ar e quase flutuo.
Dizes que não queres pedir perdão por o que disseste ou fizeste, e ainda bem, jamais te perdoaria se o fizesses. Adoro-te assim, por seres a folha que me pousa no colo numa tarde de Verão em que as folhas devem estar bem agarradas à arvore, por teres a coragem de pousar sem medo que eu te lance ao chão. Por teres sido essa folha, por não teres medo da imagem que gosto de passar, mulher fria e firme, é que aprendi a amar cada recanto da tua alma, cada pedacinho de ar que és.
Não quero esquecer a Quinta-feira, não posso. Ao ponto que a loucura nos levou... abdicámos daquele sentimento irritante que nos corrói por dentro pela amizade e quase a atirámos pela janela, com a mesma violência com que quase atiraste a mesa.
Não te deixes assustar pela ausência duma carta, assusta-te antes com o peso da presença ausente.
Vou-te imaginando estes dias em que o som da razão não basta para me deter. Quase consigo ver-te agora, sentada no parapeito da janela: completamente afundado no puff azul, a sala iluminada apenas pela televisão, vejo-te puxar o fio que trazes ao peito, não consigo evitar sorrir e baixar a cabeça ao imaginar que vais passando o meu anel pelos teus lábios... é nestes momentos em que me sinto mesmo louca, ao tingir o mundo das cores que bem me apetece quando as mesmas cores que adoro são exageradamente berrantes e impossíveis de juntar sem que pareçam uma pintura dum miúdo de dois anos.
"Não andei descalço na fonte. Não fui capaz. Não pelo frio, mas porque depois seria incapaz de to contar, e teria de te mentir." Foi o que me disseste há pouco tempo antes... porque foste capaz de mo contar agora? O que mudou no teu sentir para que agora que me possas revelar a verdade?
Confesso que ao deixar a decisão da continuidade das cartas na tua mão me amedrontei. E se decidisses mesmo parar? O que seriam os dias sem o teu cheiro no papel?
Se soubesses a saudade, ou mesmo o desespero com que agarro o beijo que me mandas e o aperto contra o coração, talvez fujisses: sempre me disseste que odiavas o sorriso nos lábios de quem já não se pode levantar mais.



segunda-feira, 27 de março de 2006

Querida Helena,
Não vou pedir desculpa pelo que disse na última carta, não vou retirar o que disse, o que fiz e disse tem o seu tempo, lugar e razão que felizmente já não me são comuns. Guarda a última carta, queima-a, esquece a última Quinta-Feira ou lembra-te dela sempre que puseres na rua. Não te vou pedir nada do mesmo modo que não vou aceitar os teus pedidos em relação a isto.
Fui passar o fim-de semana com os meus pais e é graças a isso que ainda te consigo escrever. Ainda me roda a cabeça, ainda sinto o suor nas costas mas já consigo olhar-me ao espelho e ver o teu anel no meu peito. A minha mãe não me perguntou nada que não fosse necessário e isso deu-me a paz de espírito para poder organizar-me. O chão gelado da fonte contra os meus pés frios também me ajudou muito.
Não sei se te vou conseguir ver nos próximos tempos, mas o nosso passado deixa-me o sabor de certeza que tudo isto passará. O amor, o desejo,o desgosto, a tristeza e o ódio, tudo passará e deixará de novo a paisagem branca plena de neve. Eu assim acredito, por isso escrevo mais uma vez, e continuarei sempre que acreditar.
Chegar a casa e não ter uma carta tua assustou-me e alertou-me para o facto de já não saber viver sem a companhia. Ainda que a tua carne não se encolha entre os meus dedos, o teu cheiro estará sempre na minha mão.
Assim me despeço, breve e vago, para que sintas apenas o calor suficiente para aquecer sem queimar.
Um beijo teu, sempre teu.

domingo, 26 de março de 2006

Querido Pedro,
Desculpa-me a demora desta carta. Passei o fim-de semana perdida nas ruas do Porto, perdida em nós. Pensei mais do que queria, e talvez por isso, deva já pedir-te desculpas pelas minhas palavras e pelos sentimentos que elas poderão despertar em ti.
Também eu me sinto doente e cansada, também eu me pergunto se estas cartas que trocamos fazem sentido.
Sabes, não te vou julgar pelo que fizeste. "Fiquei feliz por teres vindo, mas nunca pensei que trouxesses o teu corpo contigo". Talvez agora percebas a minha loucura.
Eu encarreguei-me, sozinha, de me certificar de que as nossas vidas não se cruzavam, mas para isso,eu precisava de passar pelo sofrimento de te ver todos os dias.
A tua reacção não foi diferente da que imaginei, se um dia aquilo viesse a acontecer, porque te sei de cor. Sei que sempre tiveste problemas em encarar de frente o que não conseguias ter, e que, por isso mesmo, chegavas a não querer.
Dizes não saber até onde te levaram as pernas, pois bem, digo-to eu: Rio. Há semanas que, antes de ir trabalhar passo por lá, nem eu sei bem porquê. Nesse dia encontrei-te e meu coração parou.
Preocupei-me contigo, olhando-te dali, de dentro do carro. O teu cabelo desalinhado, a cara desesperada e os olhos esbugalhados olhando para quem passava pintavam-me o retrato que temia ver um dia.
Não sei se conseguirás um dia voltar a tolerar a minha presença, não sei se o queres, nem mesmo se eu o quero. Nas cartas que escrevemos, é rara a vez em que não invocamos palavras ou imagens do passado, mas quando ele se nos depara mesmo em frente aos olhos, não sabemos como lidar com ele.
Lembras-te, "Mesmo o que é passado existe na totalidade do seu presente se em vez do seu conteúdo nos concentarmos na intensidade"? É o sentido desta frase que nos vai dando sentido aos dias.
Pensei muito no que disseste sobre as cartas. Sei que nos traz sofrimento, muito. Sei também que, ao voltar da agência, corro na esperança de encontrar uma carta tua, uma carta que me traga um pouco de ti para junto de mim, sem remorsos nem culpas insuportáveis.
Nem sei porque te deixei o anel, talvez para que, ao pousares os olhos nele, os pouses também em mim. Talvez porque o meu egoísmo não aceite que me esqueças por um minuto sequer, embora passe muito tempo a dizer-te o contrário. Talvez porque quis que, ao contrario de mim, tivesses algo palpável daquela noite. Talvez...
Deixo agora a mais importante decisão nas tuas mãos: continuamos com esta loucura ou perdemos o único sopro que sempre nos uniu? Deixamos para trás o sofrimento que estas cartas nos provocam, ou deixamos tudo para trás? A decisão é tua, e eu vou saber respeitá-la, concordando com ela ou não.
Despeço-me, com palavras que não são minhas, repletas de sentimentos meus: "Ninguém pode aconselhar-te ou ajudar-te, ninguém. Só há uma maneira. Concentra-te em ti. Procura a razão que te leva a escrever. Descobre se morrerias se a possibilidade de escrever t6e fosse negada." Rainer Rilke

quinta-feira, 23 de março de 2006

Querida Helena,
Sento-me doente e cansado. Sofri um golpe duro de mais hoje. Quis responder à tua pergunta, quis poder preocupar-me. Por isso não te respondi ontem. Hoje de manhã sai de casa bem cedo, como tu viste. Sai mas não fui trabalhar. Fui criança, vais-mo gritar e eu sei. Escondi-me a ver a entrada do teu prédio, esperei que o teu corpo saisse do elevador. Quando saiu eu morri. As pernas tremiam, a vista turvou-se e não mais consegui olhar. Corri, corri numa direcção que não sabia qual, só a sabia longe de ti. E tremia, todo eu num medo incessante. Não fui trabalhar, não sei onde fui. Só quando as pernas não podiam mais retornei a casa, mas a olhar a cada face temendo ser a tua.
Agora que as horas já lavaram alguma da dor lancinante que me atingiu sobrou a tristeza. Não sei se estás louca, não o posso avaliar porque não sei se a loucura não se apoderou de mim também. Isto foi tudo uma loucura! A nossa noite, a nossa separação, estas cartas que vamos arremessando sem saber porquê. Maldito porquê, malditas cartas, maldito beijo.
Estou triste, desesperado por me teres atingido de tal forma. Pergunto-me incessantemente se alguma vez te vou conseguir olhar de novo, se algum dia tolerarei a tua presença. As provas que hoje o meu corpo me apresentou dizem-me que não. Dizem-me que tudo isto é vão, que nada faz sentido, que as cartas são só mais sofrimento, e mais e mais. Já nem sei o que quero fazer.
O que vês na minha janela não é o teu anel mas sim um invólucro amarrotado da minha desarrumação. O teu anel está no meu peito de onde não saiu desde que descobri que o tinhas deixado no meu dedo aquela noite.
Já nem sei porque o uso, não sei porque te escrevo, já nem sei porque te beijo noite após noite, já nem sei porque te digo

terça-feira, 21 de março de 2006

Querido Pedro,
Não te queria responder. Queria deixar-te a desesperar com a ausência de uma carta, obrigar-te a olhar pela janela para veres a luz acesa, obrigar-te a interrogar o que de tão importante estou a fazer para nem sequer te dar uma resposta, por curta que seja.
Respondo-te apenas e unicamente pelo mesmo motivo que me levou a atirar-me para o chão no outro dia.
Na minha última carta relembrei-te os insultos que ofereciamos um ao outro quando uma discussão rebentava sobre as nossas cabeças. Chamava-te egoísta, e volto a fazê-lo agora e quase me apetece bater-te por isso.
Os meus receios não são fingidos, eu tenho medo de estar louca. Todos me olham como tal, o olhar dos que me rodeiam grita "Não liguem, ela está louca sabem?". Ignoram-me e tu ignoraste-me também.
Tu, que juraste nunca ser um deles. Tu que juraste nunca pertencer ao mundo enfeitado de flores de plástico em que os outros vivem. Mas foi uma flor de plástico a tua última carta.
Hoje sou eu que te interrogo como o garoto da televisão "Porquê?", porque é que ignoras os medos que me consomem? Porque me falas do cobertor vermelho quando tudo o que vejo se tingiu irremediavelmente de um encarnado que me fere e quase cega os olhos? Porque me ignoras como se eu realmente fosse louca?
Quanto ao almoço de família, todos os olhares, excepto o da minha querida avó, me gritavam que mereço toda a minha angústia. Porque sou uma pessoa má, tenho a sorte de ter uma pessoa boa como tu e ainda por cima rejeita a sorte que tem. Odeio-os, a todos (claro que a avó não se insere neste grupo). Porque pensam que família é aquela coisa que aparece nas fotografias em ocasiões como um casamento, ou qualquer coisa que se assemelhe, e onde possam comer de graça. Odeio-os porque nunca me souberam amar, porque só aprenderam a amar o nosso amor quando já não tinham que suportar ao vivo a nossa felicidade.
Detesto o mundo em que fui lançada à minha sorte. Detesto pensar na minha felicidade enquanto música numa outra vida. Detesto não poder ser sempre feita de compassos pausas e emoções prazerozas.
Detesto a maneira como fecho os olhos cada vez que te despedes com um beijo, e detesto ver o meu anel reluzir no parapeito da tua janela. Tira-o daí, por favor... está a deixar-me louca.

segunda-feira, 20 de março de 2006

Querida Helena,
Hoje escrevo-te aninhado no sofá com o cobertor vermelho a cobrir-me as pernas e a melancolia a cobrir-me a consciência. A chuva vai compassando o piano que que sai do negro da coluna. Toda esta placidez e quando penso que estivemos quase a cruzarmo-nos o meu coração agita-se e o fogo nasce na minha face. A melancolia traz os porquês. E o pior é não lhe saber responder. Ela pergunta insitentemente como o puto da televisão. "Porquê?" -Medo talvez "Porquê?" -porque encontrá-la é tudo o que eu não preciso agora. "Porquê?" - porque isso seria ter de ver se a casa resiste ao furacão e não posso viver sem casa agora. Acabo a conversa assim com uma metáfora e ela cala-se roendo o osso procurando o pedacinho de carne.
Agora percebo porque me senti mal perto da Joana. Tenho que falar com ela, não quero perder a amizade dela. Vou-lhe pedir que nos deixe a um canto, que faça de conta que tudo não se passa porque ela como toda a gente não vai ser capaz de compreender a nossa separação. E nós já não podemos com mais porquês.Pelo menos eu.Estou farto dos meus, dos da minha mãe, dos dos nossos amigos.
Fico contente com as primeiras palavras do Gui e estou morto por o ver. Espero que o teu almoço em casa da tua avó tenha sido pacífico pelo menos. Eu fui tomar café com o Rodrigo no sábado depois de almoço e cheguei a casa já noite dentro. É por isso que é espetacular falar com ele. Podemos passar horas numa mesa sem o assunto acabar, e sem ter conversas dolorosas. Já tinha saudades daquelas conversas. Levantei-me cedo no domingo porque fui almoçar com os meus tios á Póvoa. Não me arriscava a chegar atrasado e a ouvir o habitual sermão do meu tio. Foi agradável, a distância do Porto fez-me bem, e o mar raivoso distrai-me o coração. Vou passar a fugir nos domingos mais vezes.
Despeço-me ainda com o cobertor nos joelhos mas com a melancolia atirada a um canto. As saudades? Essas ainda me aquecem o peito. Um beijo meu amor.

domingo, 19 de março de 2006

Querido Pedro,
Não me senti minimamente provocada pelo poema que partilhaste comigo. Sinto-me lisonjeda por teres partilhado comigo as palavras que só suportas sendo declamadas.
Ontem saí com a Joana, não fomos a um bar nem a nenhum lugar semelhante. Pensando bem, mal chegámos a sair. Pensando bem, os caminhos do jardim dela não se parecem com uma saída. Falámos muito sobre muitas coisas.
É obvio que, mais tarde ou mais cedo, te tornaste no tema de conversa. Há algo que ela me disse que me ecoa pelo peito e que queima o ar que respiro. Sabes como é a Joana; firme, directa e simples. "Se por uma vez na vida deixasses de chamar coragem à cobardia...", achas que ela tem razão? Achas que pintamos o nosso medo com as cores da razão?
Assustaste-me hoje. Não é teu hábito, ao Domingo, estar a pé as nove da manhã, muitos menos na rua. Passar-se o mesmo comigo já não é estranho.
Sabes, todos as manhãs te olho pela janela e espero que saias para depois sair eu e nossos caminhos não se cruzarem. Esta manhã, como todos os Domingos, achei que não seria necessário, que estarias a dormir, recuperando de uma noite com os amigos. Mas desta vez não.
Ia sair do prédio quando te vi na rua. Atabalhoadamente atirei-me para o lado de lá da porta e caí. O velho porteiro ficou a olhar para mim como se eu fosse louca, nem sequer me tentou ajudar, fitou-me apenas com aqueles enormes e trémulos olhos cinzentos como se realmente eu fosse uma aberração da natureza. Mas não foi o primeiro. Isto tem-me acontecido frequentemente, e isso assusta-me, por mais que me custe a admiti-lo. Tenho medo de que os olhares deles tenham razão.
Lembras-te de quando discutíamos? Era rara a discussão em que não me chamasses louca, tal com era rara a discussão em que eu não te chamasse egoísta. E isto é que me preocupa. Se fossem apenas os outros a julgarem-me louca, eu conseguiria fazer a minha vida normalmente, mas a possibilidade da visão deles ser partilhada contigo deixa-me apavorada.
O Gui já fala! A minha irmã está eufórica. A primeira palavra (talvez chamar-lhe som fosse o mais acertado) foi "Ena", ora bem, isto para mim é o diminutivo de Helena, mas a minha irmã não me parece convencida.
Tenho que me despedir agora, vou almoçar a casa da minha avó e já vou atrasada. Devo chegar tarde, não te preocupes pela escuridão vinda da minha casa. Passo-te as mãos pelos olhos e beijo-te a testa apertando-te bem contra mim, abraço-te e deixo que sintas o meu coração dentro do teu peito.

sexta-feira, 17 de março de 2006

Querida Helena,
Hoje não vou escrever uma carta. Nunca soube como se fazia mas parece-me que escrever palavras que não são minhas, não é de todo o formato de uma carta. Ouvia um poema, sabes bem que tem de ser ouvidos para que os sinta, sobre o cigarro. Esse teu vício triste e negro que insistes em manter. Enquanto ouvia apercebi-me do que te havia tornado exactamente isso, um cigarro na minha vida que fumo repetidamente e não me dá descanço. Eis o teu poema então.

Volutas de Humo
Salvador Angel Molinari (alias Tito)


Volutas de humo que flotan
Alrededor de mi cuerpo
Con que simpleza se desintegran
En cuanto las toca el viento
Conversar, conversar con vos quisiera
Decirte, decirte lo que yo siento...
¿Por qué siempre te necesito
Cuánto más solo me encuentro?
Éste, éste, tu encanto fatal
Es lo único que no entiendo
Sabiendo que, poco a poco
Mi vida estás consumiendo...
Cigarrillo forrado de blanco
El color de la pureza y,
¿Qué llevás en el alma? Lo negro...
¡Cuántos somos los que nos aferramos
A tus pitadas profundas y exhalamos de una vez!
(Mientras tragamos tu veneno...).
Apartarte, apartarte yo quisiera
Pero sé que no puedo
Porque en cada devenir de esta vida que padecemos
En mi propia cobardía más me aferro
A tu maldito veneno...
Te tomé como juguete de purrete
Y hoy, que sos parte mía
No sabés cuánto me arrepiento
Ya sin vos, ya sin vos no sé vivir
Porque sos mi companero
Ese amigo que busqué en la noche solitaria
Mientras contemplaba los cielos
Y que hablaba de mis sueños, mis tristezas y alegrías
Mientras vos, poco a poco
En mis dedos te consumías
Y así, así me quitaste el aliento
No me dejás respirar
Manchaste todos mis dedos
Y por dentro devoraste gran parte de mi cuerpo...
Pero, ¿qué te puedo reprochar?
Si fuiste mi compañero...
Y otra vez, otra vez te vuelvo a encender
Y mientras miro tus volutas de humo
Que envuelven todo mi cuerpo
Te tengo que decir, a mi pesar
Que seguís siendo mi mejor compañero...

Espero que o compreendas e não o tomes como uma provocação. Despeço-me assim, com as palavras curtas e o carinho fechado na mão que insististe em apertar.

quinta-feira, 16 de março de 2006

Querido Pedro,
Quero começar por te pedir desculpa pela demora desta carta. Agora que voltei ao trabalho, o Dr. Cerqueira entregou-me um projecto importantíssimo e andei aterefada com ele nestes últimos dias.Pelo que me tens dito parece que também andas atolado em trabalho, por isso sei que compreenderás.
Estou bem, o regresso não me fez mal algum. Sabes o quanto adoro sentir-me útil. Sabes o quanto odeio passar o dia sem fazer nada de interessante.
As tuas comparações em relação à musica e a mim lembraram-me duma conversa que tivemos uma vez, precisamente no b-flat. Eu dizia-te que se a reencarnação existisse mesmo, noutra vida eu teria sido uma música, quando ouviste isto riste-te com vontade e tentaste convercer-me de que para um ser vivo reencarnar teria que ser num outro ser vivo. Expliquei-te então que a musica fazia parte de mim, da minha vida e que se havia algo capaz de me fazer sentir viva era a musica. Desde então penso que verdadeiramente aceitaste o facto de eu poder ter sido uma música numa outra vida.
Viste os meus olhos passear, mas não percebeste que eram a ti que eles realmente desejavam ver, apesar de saber que não é o mais correcto a fazer. Viste as minhas mãos, mas não percebeste que era em ti que elas queriam pousar. O desejo da minha boca era sentir o calor da tua.
Não precisas de saber quando voltarás a mim, até porque nem sabemos bem se alguma vez isso acontecerá. Mas eu juro que vou tentar permanecer em ti, como uma amiga com quem sempre podes contar. Nunca sentirei nojo de ti, nem um pouco, e duvido que a Joana alguma vez o sinta. Acho que te faria bem desabafar com alguém, é o que tenho feito com a minha irmã. Sabes como é (um pouco injusto, sem dúvida), os momentos maus são mais fáceis de suportar quando são partilhados com alguém.
Ontem ocorreu-me uma ideia perturbadora. Quando eu for velhinha, passar os dias inteiros à lareira, mesmo no Verão, e alguém me perguntar como foi a minha história com o grande amor da minha vida eu digo o quê? Digo o quão maravilhoso foi o início e conto como foi o fim? Será alguém capazde perceber? Será alguém capaz de suportar?
Ofereço-te os meus olhos, para que, todas as manhãs, quando te vires ao espelho, também eu te possa ver; e aperto-te a mão até te doer, até ficares com marcas nos dedos, para que me sintas durante muito tempo.