Amor Selado                          

As cartas do nosso amor que por amizade selamos.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

Querida Helena,
Escrevo-te cansado. Não consegui dormir na camioneta e a noite foi longa e pesada. Não, não voltei a fazer asneiras. Sim, a Sofia. Estive com ela, mas não da maneira com que tu tão alegremente me acenas com o Carlos. Não o sabia, nem o quero saber. Isto é o que tenho a dizer sobre ele. Sobre ele e sobre todos os Carlos que venhas a fingir conhecer. Eu conheço a Sofia, ela conhece-me a mim. E foi por nos conhecermos que estivemos até o sol se levantar a conversar. Só? perguntas tu, eu respondo-te claro que sim, porque nem 4 dias, nem um ano vai mudar o que sinto por ti, e o que sinto por ela. A conversa trouxe sorrisos e lágrimas, mas não como as nossas. Carregados de nostalgia não tinham espaço para o amor que preenche as nossas.
Não andei descalço na fonte. Não fui capaz. Não pelo frio, mas porque depois seria incapaz de to contar, e teria de te mentir. Não suporto a ideia de te contar algo que não pode ser teu quando é meu, como não suportaria se mo contasses a mim. Desculpa se te desiludi.
A familia não me foi tão pesada como esperava. Se calhar por isso mesmo. Mentalizei-me que tinha de aguentar tanta dor no ombros que acabou por ser fácil. Claro que levei com bocas todos os dias da minha mãe, facadas no meu peito ainda frágil. Mas a fonte gentilmente limpou-me o vermelho.
Vou ver se estou com a tua avó esta semana, mas preciso que me dês o telefone porque não o tenho. Espero que a nossa conversa te ajude a ti e que a tua familia não te olhe de riscas pretas e brancas.
Despeço-te e peço desculpa pela breviedade mas as palpebras pesam ainda mais quando o coração as puxa. Vou deixar a luz acesa hoje para que mates as saudades. Abraço-te e levo os lábios á tua testa .

sábado, 25 de fevereiro de 2006

Querido Pedro,
Escrevo-te com uma dor latejante na cabeça e na alma. O trabalho é mais do que muito, e então nesta altura aumenta assustadoramente.
É sempre a mesma coisa quando chega o Carnaval, toda a gente pensa que só por ser publicitária tenho a cabeça a fervilhar de ideias para fantasias. Vou passar a noite de Carnaval com os nossos amigos, o Miguel veio convidar-me ontem. Acho que era mesmo o que estava a precisar: festa.
Acho bem que vás passar esta época a Travanca, apesar da desagradável conversa que provavelmente te espera. Espero que a enfrentes com a força que acredito que tenhas, apesar dos acontecimentos recentes.
Não foste caprichoso ao ponto de dizer não à tua mãe, mas cedeste ao capricho de passar pelo meu prédio por causa do incidente com o elevador. Acho que precisavas de sentir de novo o ambiente de que fizeste parte tantas vezes. Sabias que eu não estava presa, se estivesse a carta não teria chegado até ti. Não cedas aos fantasmas, ao fazê-lo eles vão-se apoderando de ti e ganham força.
Fico feliz por saber que estiveste com a Joana e que de alguma forma ela te ajudou. Fico também feliz por saber que vais reencontrar a Sofia, é uma felicidade diferente, é um doce amargo que vou saboreando. É verdade, eu disse-te para seguires em frente e não há mal nenhum em aqueceres as mãos num outro rosto. Eu própria já o fiz, sabe-lo bem, foi o Carlos lá da agência e é provável que o leve à festa.
Peço-te apenas uma coisa, se não tencionares ter uma relação que ultrapasse todas as relações de uma noite sê sincero com ela. Não só pelo possível sofrimento dela (ela ainda gosta muito de ti), mas também para que não venhas a magoar-te.
Na minha última carta esqueci-me de te dizer que a minha avó queria falar contigo, sabes como ela é: tem sempre que saber das coisas por todas as partes envolvidas. Tenta passar por lá quando o trabalho te der descanso.
Quero pedir-te um favor: quando estiveres em Travanca vai junto da fonte e anda descalço nos seus limites. Era o que faziamos juntos, e quero saber se és capaz de o fazer sozinho. Quero que sintas o que eu não posso sentir.
Quero que voltes depressa, três dias são suficientes para mudar uma vida, três dias é quanto basta para aceitarmos ou não o nosso destino. Três dias podem mudar tudo, até pode ser o suficiente para decidires trazer a Sofia contigo, por isso não te afastes por demasiado tempo, as noites são mais longas sem a luz do teu quarto acesa.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Querida Helena,
Recebi com tristeza as noticias da tua reunião familiar. Não queria de todo que a tua avó se entristecesse com as novas, assim como não queria que ser eu a trazer-te mais uma daquelas noites que te sei odiar. Ainda me fragilizei mais por ter eu mesmo de enfrentar tudo isso este fim-de semana. Vou passar o carnaval a casa dos meus pais e decerto as perguntas vão ser mais do que as alegrias. A minha vontade de ir já era diminuta mas agora desejo mesmo ficar. Não posso contudo ser caprichoso ao ponto de deixar a minha mãe num ataque de choradeira ao telefone. Por isso não te admires se não te escrever até terça feira.
Espero apenas que estes dias sirvam para descançar porque o trabalho no atelier amontoa-se já até ao tecto. E a criatividade continua fugidia, só a apanho quando estou muito concentrado e isso não tem sido fácil. Lembro-me agora que não te disse que estive com a Joana. Ajudou-me muito. Sorriu-me e o sorriso dela trazia-me o teu. Não trouxe palavras de consolo, nem seria da Joana, mas conversar alegremente com alguém era coisa que já não fazia desde que fechei a porta do teu prédio.
Acho que já era altura de alguém concertar o elevador para que não passasse a vida fazer prisioneiros. Também podias pedir para mudar a música que lá toca. De manhã depois de te ler passei pela entrada do teu prédio para ter a certeza que já não estavas lá presa. O elevador estava no rés-do-chão para meu descanço. Também não saberia o que fazer se lá estivesses. Por isso te peço perdão. Confesso ter hesitado em ir salvar-te o que põe em causa a nossa amizade. Mas acabei por ir, sem medo. Não sei qual foi o sentimento que lá me levou mas também não te posso pedir que mo digas. Talvez seja mesmo melhor ficar na ignorância.
A ignorância talvez seja mesmo o melhor para nós. Ignorar as perguntas que nos fazemos a nós mesmos. Ignorar as respostas que à vezes queremos dar. Vou muito provavelmente estar com a Sofia no fim-de-semana. Não sei o que vai acontecer, não sei o que se vai repetir, mas quem me mandou seguir em frente foste tu. Não a desejo, sabe-lo bem, mas preciso de carinho, os meus dedos procuram uma face para acarinhar desde que te deixei. Por isso não posso prometer que não vai acontecer nada do teu desagrado.
Ainda devo ter tempo de te escrever uma carta antes de partir para Travanca. Conta-me de ti, conta-me do teu carnaval, conta-me das coisas na agência. Conta-me.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Querido Pedro,
Estou aqui, igual a mim mesma como quando me deixaste: numa calma inquietude que me pinta de vermelho a lágrima queimada. Não estou feliz, seria inútil dizer-te que sim: seria apenas uma mentira insustentável. Não sorria no momento em que me pousaste a mão invisivelmente fria sobre o rosto, há dias que não sorrio devido à incapacidade de o fazer; vou chorando como quem tropeça: de vez em quando e sem querer.
Não criámos um monstro, preservámos uma folha que respira: o ar é levado pelas cartas, por vezes manchadas pelas lágrimas ou até pelos sorrisos inflamados, são elas que nos invadem o corpo com um sopro quente quando nos esquecemos de como se respira.
Foi bom voltar a casa da minha avó: o jardim daquela casa: sempre foi o único motivo pelo qual eu gostaria de viver num meio mais reservado como aquele, mas não sei viver com o coração calmo- tu sabe-lo bem.
A Reunião Familiar revelou-se um desastre, tal como previa e temia. O motivo foi a causa das minhas insónias nas noites que correm: " O único homem decente que alguma vez tiveste!"- palavras da minha mãe. Não gostei que se metessem na minha vida tão indelicadamente e disse-lhes isso mesmo. Houve gritos e gestos exaltados e só a voz assustadoramente calma da minha avó os travou (soube de tudo pelo meu pai, nada pude fazer).
Levou-me ao jardim, como cada vez que, em pequena, fazia uma grande asneira, e conversámos muito junto à velha trepadeira. Não vale a pena contar-te a conversa, conheces as palavras sábias da minha avó: como sempre inventou uma história para que eu me apercebesse da situação vista de fora.
Quando voltámos para dentro a minha mãe esperava por mim com a curiosidade e o medo no olhar: nunca saberia o que me disse a avó, tinha a certeza disso, mas temia que a conversa com ela me fechasse os olhos. Elas nunca se deram bem, são demasiadas diferenças, por isso mesmo sempre contei tudo à minha avó e não à minha mãe.
Regressei a casa mais triste do que previ e para meu desespero o elevador obrigou-me a pensar na minha tristeza: avariou-se outra vez.
Escrevo-te esta carta aqui, sentada no cubículo-prisão. Desde que fiquei aqui fechada tenho a tua voz a segurar-me a desemparada cabeça. Do reduzido espaço transborda a Estrela da Tarde cantada por ti ao meu ouvido.Começam a assombrar-me agora as memórias de quando subiste ao meu apartamento pela primeira vez sem ser na qualidade de amigo. Ficámos também presos no elevador, lembras-te?
Foi então que conheci a musica que vei a fazer de banda sonora do nosso amor. Dançámos agarrados, nesta casa dos horrores que agora me aterroriza, durante tanto tempo que nos soube como uma onda: demasiado rápida e tão intensa que nos engoliu até perder a força e nos abandonar na praia.
Acho que chega de pensar e relembrar, vou premir o botão de emergência e esperar que alguém me salve.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2006

Querida Helena,
Ao contrário de ti não sei como estás. Com estas últimas revoluções as tuas cartas acabam por não de dizer nada sobre ti sem implicar um esforço de análise mais pormenorizada às tuas palavras. Como estás tu? Não, não te irrites já, não estou a tentar deitar para trás das costas o que se passou. Estou só preocupado contigo.
Não posso esquecer que perdeste o teu orgulho em mim. Confesso quando o li me enchi de lágrimas, mas agora escrevo de cabeça erguida porque sei que não é a chorar que vou ganhar o teu orgulho de novo. Eu já me perdoei, fui irresponsável. Perdoei-me mas não me esqueci. E não me esquecerei sempre que sair desta casa, e sempre que tocar num copo, porque para me perdoar tive que me prometer que nunca iria sequer andar á beira do poço mesmo sabendo o seu sítio exacto agora.
Enquanto te escrevo, o Sr. Armando Freire vai Meditando na Guitarra Portuguesa, e eu vou acompanhando na minha mente.A meditação, não é a guitarra. Sorrio. Penso em nós, em tudo antes daquela noite, na pureza dos sorrisos, nos etéreos olhares. Penso na noite, penso no efémero beijo, na triste felicidade. Penso no separar, na distância, penso em ti aí em cima de luz acesa. Penso em tudo isto sem pensar em mim, sem pensar em ti. Como se fosse um filme daqueles que tanto nos riamos pelo argumento tão real como os corações arredondados. E rio-me realmente, rio-me por saber impossível e ridiculo o "e viveram felizes para sempre". Medito. A meu lado um anjo e um diabo, o amor e a amizade sem que perceba quem é quem. Largamos o amor por temer os efeitos na amizade, largamos os dois, decidimos os dois. E eu não me arrependo. Já não se guardam as amizades no coração, e nos deitamos fora o amor para guardar o que era mais importante para nós. Mas agora uma verdade, ainda que subjectiva, me atravessa o pensar. Não teremos nos condenado a amizade por a querer guardar numa campânula de vidro e esquecido que ela tem que respirar? Ao resguardarmos do mundo o que para nós era insubstituível, não teremos criado um monstro?
Deixo-te com a minha meditação, não para que te inquietes nem para que me lances de novo as tuas razões. Já as sei, e por as saber e por as ter também como minhas, é que te convido a entrares nas minhas deambulações. Não quero que me digas onde chegaste e o que queres para nós. Já o sei. Quero que tu atravesses o rio e sejas capaz de voltar para trás olhando-o daquele lado.
Peço desculpa pela carta cheia de metáforas e metamorfoses, mas sei o gosto que tens por elas e como vês muito melhor com elas. Boa sorte para a reunião e tenta fazer com que o teu pai não te saia nos ombros barafustando contra a tua avó. Um beijo a ela, e tenta com que ela não saiba de nós. Não vale a pena trazer-lhe mais preocupações para as suas insónias. Beijo-te a testa da cabeça dorida e passo-te a mão na face sorridente.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

Querido Pedro,
Nem vou perguntar como estás: sei a resposta embora não me agrade de todo.
Não tens que me pedir desculpa, não quero que o faças. Sou tua amiga, não tua mãe; não tenho o direito de ficar chateada porque te perdeste na embriaguez dos sentidos, contudo, tenho o direito de ficar desiludida por não te ter encontrado quando te vi o rosto.
Dizes que sentes a culpa atirar-te ao chão. Espero que assim seja Pedro, porque a culpa não é minha, não é do amor, não é da amizade nem mesmo do Joel. A culpa é tua, por teres deixado que os reflexos frios do que viveste te assombrassem a alma e que te atirassem para o ridiculo.
Quando te vi chegar com o olhar vazio e perdido esqueci-me de respirar... porque percebi quanto a nossa despedida foi necessária e dolorosa. Não foi uma derrota, foi um verdadeiro triunfo: podíamos ter adiado aquele momento. Mas soubemos que era necessário para manter vivo o único sentimento que poderia sobreviver em nós.
Não ameaçaste a amizade em momento algum e por isso nada tenho para te perdoar, ameaçaste apenas o meu orgulho em ti, esse, está débil e incapaz de acompanhar o meu passo para onde quer que vá. O único perdão possível de obter tem que vir de dentro de ti, só assim poderás viver e enfrentar quem vive. Eu sei que dói, também me sinto mais pequena desde aquela noite... o coração grita-me para correr e te alcançar, mas eu sou forte graças à nossa amizade. Pensei que também o fosses.
Não vou pedir desculpas por ti à minha irmã: é uma responsabilidade tua e eu não tenho que a suportar, para além de não suportar o interrogatório a que estarei sujeita se ousar pronunciar o teu nome.
Vou ter Reunião Familiar, só de pensar até já tenho dores de cabeça. Tenho que ir, aquilo que sempre fui chama por mim e não lhe sei negar o pedido.
Repensa aquilo que eras e aquilo em que te estás a tornar, e nunca esqueças das palavras de Alexandre O'Neill que costumava murmurar ao teu ouvido: " Entre o real e o sonho/ seremos nós a vertigem".

domingo, 19 de fevereiro de 2006

Querida Helena,
Desculpa. Tudo o que tenho direito de te dizer é desculpa-me. Comportei-me realmente como uma criança e depois envergonhei-me das minhas acções. Por isso não te respondi, por isso não sei o que te dizer agora. Não há desculpas para o que fiz, não há nada que diga que possa justificar os meus actos. Estúpido e carente deixei-me ir na loucura de anos que já não são os meus. O joel também não me ajudou. Convencido que o alcool me iria libertar do fardo que me vergava a cabeça, fez-me beber como um inconsciente. Claro que a intenção dele não resultou porque não era a cabeça que me pesava mas sim o coração que a puxava para baixo. E o alcool não afecta o coração, só lhe permite ter voz mais alta. O que provou ser desastroso.
Não me recordo ao certo o que escrevi na carta, mas sei que no estado em que me encontrava o que me saia pelas mãos eram os caprichos do peito. Desculpa-me o que disse. Desculpa-me a Estrela da Tarde era suposto ser o meu segredo. Redescobri a letra do Ary dos Santos e vi nela o filme da nossa última noite. Tudo se encaixava direitinho. Mas era o meu segredo obscuro, aquela preciosidade que temos e não contamos a ninguém. Destrui tudo isso. Como temo ter destruido a nossa amizade. E choro, choro agora sobrio como nunca chorei com o alccol nas veias. Choro por sentir ter destruido tudo. Por te ter destruido em mim, por me ter destruido em ti. Olho a tua janela marejado de lágrimas imaginando-te a ver-me chegar num estado deplorável. Choro pensando-te a ler a carta inflamada que te devo ter dirigido. Choro pensando que talvez tenha sido o fim do que a tanto custo tentamos resguardar. E a culpa consome-me. Como se de uma ressaca de amor se tratasse, sinto a culpa a atirar-me ao chão.
Fui tomar café com a tua irmã hoje. Acedi ao convite por não ter coragem de lhe contar o que se passou. Fui-lhe distante. Não conseguia conversar concentrado mais que dois minutos sem o coração fazer a pressão dos olhos subir. Calava-me com medo de chorar. E deixava de ouvir. Se lhe falares pede-lhe desculpa por mim mais uma vez.
E só me resta pedir-te a ti desculpa mais uma vez ainda que receie que tu nunca mais me respondas, tenho esperança que se a amizade nos pediu já tantos sacrificios possa também pedir que me perdoes.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

Querido Pedro,
Nem devia chamar-te querido. Não, não te vou dizer "olá", não te vou perguntar como estás. Pergunto-te antes como te deixaste cair na solidão. E o Joel, onde é que ele estava com a cabeça, ao deixar-te chegar a esse ponto?
Estou revoltada Pedro, mesmo. Onde está o homem que conheci e por quem me apaixonei? Esse Pedro só se comportava como um adolescente quando que queria ver rir que nem uma louca, e não cada vez que a vida lhe punha uma dificuldade à frente.
Não me vou sentir culpada, nem sequer penses nisso. Revelei-te os meus sentimentos para perceberes que a Helena que conheceste continua a mesma: fria quando é necessário, mas com coração.
Se soubesses como me atormentou o coração ver-te chegar naquele estado (não, não resisti a olhar)! Não te sabia tão fraco, pensei que a tua força te levasse a encarar tudo isto com dignidade. Sempre foste um homem honrado, um homem digno de assim ser chamado! O bebâdo que vi chegar a casa não tinha nenhuma parecença com o homem que amo, e isso enche-me de dor... por favor Pedro, recupera a dignidade, enfrenta todos os que não amaram o nosso amor de cabeça erguida.
Peço-te por tudo que não me leves a mal. Pondo a nossa amizade à frente de qualquer outro sentimento, conseguimos tomar a decisão mais adulta possível, qual a lógica de nos transformarmos em crianças irresponsáveis logo depois? Digo-te tudo isto porque te adoro e preciso que saibas que não vou deixar que te destruas. Não vou deixar que me destruas.
A "Estrela da Tarde" atingiu-me a memória com tal brutalidade que ainda não a consegui afastar do pensamento: faz eco dentro de mim...
Despeço-me com Pablo Neruda: "Vou ferido talvez, mas não sangrando,/ por um dos raios da tua vida". Nunca te esqueças destas palavras, nem de que te adoro, nem de que tenho orgulho do homem que amo, não da criança que vi passar na rua.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Querida Helena,
Escrevo-te com a cabeça a cair-me de sono. Fui sair com o Joel, mas acabei perdido na minha solidão. Na tua falta acabei por me refugiar no alcóol e agora escrevo-te com a disposição errada.
Não te devia responder agora mas o que me disseste na última carta não me deixaria dormir se não o fizesse. Para não fazer correr o ridículo da minha embriaguez faço da carta apontamento e deixo-te apenas a letra de uma música.

"(...)

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto."


José Carlos Ary dos Santos


Nunca é tarde Helena, a estrada tem dois sentidos, e poderemos sempre voltar para trás e seguir outro caminho. Beijo-te na testa e levo-te comigo para o sono ébrio e sonhador.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Querido Pedro,
Como estás? A pergunta é completamente idiota: a resposta é obvia e não me oferece quilo que quero. Mais um começo...
Como te tens sentido? Asneira outra vez...
Como me tens sentido? Pergunto-te isto porque te sinto aqui, porque me sinto ainda aí em tua casa. Sinto as nossas manhãs como se as vivesse ainda: entro na casa de banho e encontro-te envolto numa toalha e o cabelo a pingar água. Vais lavando os dentes e tentas fazer uma enormidade de coisas ao mesmo tempo. Corre-te tudo mal e acabas por escorregar na água que o teu cabelo libertou, a custo manténs-te em pé e afastas-te abruptamente. Esta imagem lembra-me de como nos tornámos no que hoje somos.
Tentámos fazer tudo ao mesmo tempo: ser livres e acorrentarmo-nos um ao outro. Tropeçámos no malfadado amor que libertámos e afastámo-nos abruptamente com o medo de cair e não mais nos levantarmos.
Desculpa o desabafo mas não consegui evitá-lo. Juro-te que o tentei aprisionar dentro de mim mas apercebi-me de que a verdade liberta mesmo. A intenção é libertar a verdade para que esta pare de me atormentar os sentidos, para que ela me liberte. Afinal é tudo sobre liberdade não é? Foi ela que nos transformou em gritos mudos.
Lembro-me do Joel, ainda bem que ele te tenta arrancar de casa. Já sairam? Espero bem que sim, acho que estavas a precisar.
Despeço-me mais uma vez com palavras que não são minhas, faço-o porque tenho a esperança de chegar ao final de tudo isto e de perceber que esta história não é a minha, tal como as palavras. Hoje as palavras que te ofereço são tuas: "Amo-te", adorei a rosa, adorei os teus sentimentos e adorei que os partilhasses comigo, por isso hoje te ofereço pensamentos proibidos

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Querida Helena,
A minha irreverência, ou mania do contra como tu gostas de chamar, faz-me começar esta carta com o que tu acabaste a tua. Uma citação. "É mais vulgar ver um amor absoluto do que uma amizade perfeita" disse um dia Jean de La Bruyére. Não sei quem seja, mas a verdade dele faz-me hoje tanto sentido. É dia do amor porque convém ao comércio, e aos amantes convém um dia que lhes tire a monotonia quando não são capazes sozinhos. Caminhar sozinho neste dia é quase heresia, um desafio marcar a diferença entre a multidão de pares que habita tudo o que é sítio. Mas hoje percebi realmente o sentido da frase e da nossa separação. Naquela noite (ou seria já madrugada?) quando entrei em casa depois da nossa conversa junto ao mar, chorei que nem um perdido. Parecia-me a mim que o amor existia só para destruir relações e nunca para as unir. Que a amizade era um fraco parceiro de um sentimento que não sabia viver a dois. Amaldiçoei o amor, amaldiçoei a amizade. Hoje percebo o ridículo das minhas acções. Vemos hoje o mundo cravejado de amor, mas uma amizade como a nossa é algo único. Sempre vimos o amor como uma joia preciosa e a amizade um pedra que encontramos a cada esquina. Para mim hoje os diamantes abundam, mas a pedra que eu tenho é única. Desculpa se me perdi nos sentimentos. Afinal hoje é dia disso, mas não quero que a única forma de comunicação entre nós seja inundada por sentimentalismos.
Não consigo desligar a música sabes bem, ela faz parte da minha vida tanto como tu. Há momentos que eu não consigo imaginar sem aquela música, e há músicas que levam a momentos que não conseguiria relembrar sem elas. O Joel foi meu colega na faculdade, não te lembras agora? Aquele que andava sempre com o mesmo casaco laranja? Claro que te lembras.
Vou telefonar à tua irmã para tomarmos café. Não te importas pois não? Não queria que ela e o teu pai te vissem como culpada do que aconteceu, e se eles virem que fomos ambos a fazer isto é mais fácil. Acho que tu devias estar com a Joana, afinal ela nada tem a ver com a nossa decisão.
Desejo-te um feliz dia dos Namorados, e espero que ele traga tantas revelações como a mim. A rosa que acompanha a carta não é com nenhuma intenção, é só por ser tradição. Por tradição deixo-te também um beijo na testa e um olhar pousado nos teus.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Querido Pedro,
Espero que estejas bem, pareceste-me um pouco abatido, não sei se por minha culpa ou por culpa de qualquer outra coisa. A humildade não é o meu forte, sabe-lo bem: se for minha a culpa nada posso fazer para além de te pedir perdão- nunca o intencionei.
A criatividade sempre viveu nos teus olhos, não a deixaste esquecida em lugar algum, esqueceste-te apenas de olhar à tua volta e de sentir aquilo que não se vê... Assim, como nós. Quantas vezes te disse para desligares a música? Ela vai-te enchendo de imagens de outras gentes e não te deixa criar as tuas, vão-te consumindo até não conseguires pensar. Meu Deus! Quantas vezes te repeti isto?
A Joana já deve ter percebido o que se passa, tal como todos os nossos outros amigos. A minha irmã também já sabe, tive que lhe contar. Numa visita a minha casa ela sugeriu inocentemente (ou nem tanto) que te convidassemos para tomar café, perante isto não me restou hipótese alguma para além de destapar a realidade. Ficou visivelmente transtornada, perguntou-me como, porquê e quando. Depois de todos os esclarecimentos terem sido prestados, levantou-se e olhou-me friamente nos olhos "Não vamos deixar de o ver por isso, nem eu nem o pai", assim, é possível que te procurem um dia destes.
Já dei voltas à cabeça na cama, porém, por mais que tente não me consigo recordar do Joel, mas fico feliz por saber que ele te tem tentado arrancar do casulo. Escondermo-nos não serve de nada, apenas o oxigénio permite que a chama se alimente, não fiques aí, no teu apartamento a sufocar de dor e frio. Sai cá para fora, canta, dança, sente a alegria que irradiavas quando nos conhecemos.
Quanto à luz acesa, a tua ingenuidade aperta-me brutalmente o coração: não é por fingirmos não saber a verdade que esta se desvanece.
Despeço-me com Eugénio de Andrade: "Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,/ e o que nos ficou não chega/ para afastar o frio de quatro paredes.(...) Adeus".

domingo, 12 de fevereiro de 2006

Querida Helena,
Estou especado à frente do ecrã há uma hora e ainda não consegui escolher uma música para me acompanhar na escrita. Agora roda a Candombito do nosso amigo, mas não sei se a vou aguentar até ao fim. A monotonia da guitarra e da pandeireta, trazem-me a nostalgia de tardes de fim-de-semana a sorrir contigo. Agora já não te sei a sorrir.
Fui ao jantar da Joana mais para que ninguém suspeitasse do que por vontade de me sentar entre eles. Será que o teu afastamento me afasta deles também? Só o Mário me perguntou por ti à entrada antes de levar um beliscão da Joana. Não sei se já tinhas falado com ela ou se ela percebeu o que para mim parece tão claro. O jantar correu bem, correu-me com o meu pause ligado, e só no fim quando a Joana me abraçou com força me lembrei da tua ausência. Não que tu tivesses perdido a importância, o jantar é que a perdeu, e eu perdi-me no meu de conversas e piadas que encontravam a tua parede. Sim, não falamos de ti, mas acredito que a culpa seja minha e que eles evitaram o assunto por minha causa.
Os dias tem passado cinzentos e à noite quando acordo e olho pela janela já nem sei se o cinzento pertence ao dia ou à noite. No atelier as coisas também não andam muito coloridas. A minha criatividade parece ter ficado no bolso do casaco que me deu o teu pai. Não o preciso, podes fazer o que quiseres. Digo o sem rancor e com o imenso apreço que tenho pelo teu pai. Mas não vejo forma de mo devolveres e o valor que tem para mim não se perderá.
Quando li a tua carta fiquei magoado, se calhar até se perdeu por momentos aquilo que tanto tentamos preservar. Por isso só respondo agora. Prometo da próxima não acordar para a mensagem dos teus silêncios tão tarde. As palavras sem som ecoaram-me primeiro no coração e só depois na cabeça e por isso guardei sentimentos que me impediam de te responder.
Quando contares à tua irmã avisa-me porque gostava de falar com ela. Não quero que me guarde nenhum sentimento negativo porque ela significa muito para mim.
Da última carta que te escrevi poucas foram as respostas que obtive por isso desta vez não te pergunto nada. Espero contudo que esteja tudo bem. Gostei da resposta da luz acesa, às vezes esqueces-te que sei tudo sobre ti, incluindo o teu disprazer por a luz acesa em ocasiões solenes. É tão ridiculo falar sobre estas coisas em carta que recorro a estas expressões que acabam por soar cómicas.
Acabo esta carta a ouvir Bernardo Sassetti, Renascer diz-me ele, e é o que espero fazer. Ser sem ti implica renascer no amor e em muitas outras coisas que me habituei a fazer contigo. Já me mentalizei que tenho de sair.Combinei com o Joel, lembras-te dele? Mas ainda não renasci, as cinzas ainda cobrem o meu corpo. Sei que por muito que custe o fogo voltará a consumir-me como na fénix de que eu tanto gosto.
Espero pacientemente por ti num envelope da minha caixa de correio. Um abraço, e um beijo na testa já que a boca está ocupada em palavras sem som.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Querido Pedro,

Quero começar esta carta com um "olá" porque ao contrário de ti ainda sei respeitar regras. Tal como respeitarei a regra de não mais nos vermos, por isso disse à Joana que não estarei presente no jantar, também pedi desculpas ao Mário. "Vocês estão muito estranhos...", foram as palavras da Joana quando lhe disse que preferia não ir.
Ainda não consegui contar que há uma semana que não te vejo, nem à Joana nem à minha irmã. Acho que preciso de as mentalizar da situação, creio que lhes custará bastante, habituaram-se a ver-nos lado a lado. Lembro-me do Miguel dizer que separados eramos palavras sem som... Ao fim ao cabo foi no que nos tornámos, não foi?
A nossa amizade não morre aqui, provas disso são as cartas que trocamos. Decidimos fazê-lo para que a distância não destruisse o que de benéfico havia entre nós, o que havia de possível.
Deixaste o sobretudo castanho, o que meu pai te deu pelo teu aniversário, sobre a cadeira no meu quarto; graças a ele ainda sobrevive o teu cheiro pelo compartimento.Não sei como to devolver. Não quero nem posso ver-te, não sei como me hei-de livrar dele. Faz-me impressão ali, perto da janela, como que a desafiar-me para espreitar o teu prédio - sempre tive uma visão priveligiada do teu quarto. Sabes, apesar do olhar me tentar fugir na esperança de te encontrar, eu sou mais forte do que ele, e tu também deverias ser. Sabes bem que a luz não fica acesa devido ao trabalho, sabes que teu olhar pode encontrar um outro alguém ao meu lado, nas horas que a noite arrasta.
Eu sei que te dói, que te consome o peito na mais agonizante das dores, mas sei também que é o melhor para ti e para mim, para a nossa paz e liberdade.
Até breve, não deixes esmorecer a amizade... escreve-me, oferece-me palavras sem som.

domingo, 5 de fevereiro de 2006

Querida Helena,
Tento lembrar-me dos conselhos básicos para escrever uma carta que a professora de Português tão enfaticamente me ensinou. Mas esta carta não entra em nenhuma das categorias que aprendi. Esta carta começa com a despedida quando todas as outras com ela acabam. Tenho que me desempecilhar assim. Não é o que tu dizes? As coisas são o que são. Esta carta despede-me da tua presença. Escrevo-a aqui porque ia fazer o papel sofrer em amassos e lágrimas.
Todas as noites projectado no meu tecto vejo aquele último abraço, tão salgado e tão determinado. Pensava que estas coisas só os realizadores viam, e viam porque lhes dava jeito para chamar a atenção de pormenores antigos ao espectador. Eu preciso de tudo menos de chamar a atenção para aquele abraço. Será que é para ti que o relembro? Lembras-te de mim quando te deitas? Lembras-te de mim quando ouves o meu nome? O teu já não o consigo ouvir, fujo dele e finjo não o ver quando por acidente me cruza os olhos.
Como passaste esta semana? Como sou infantil às vezes. Vais-te rir quando leres isto, ao escrever esta última pergunta esperei que respondesses. Como se falássemos num qualquer programa como eu tantas vezes fazia na adolescencia. A semana a mim pesou-me tanto nos ombros que me vi mal para a arrastar. Espero que a tua tenha corrido melhor. A tua luz ligada até tão tarde atormentou-me o coração. Muito trabalho para fazer?
O trabalho surge-me agora como um mero espectador. Trago a alma tão flagelada que já não faz efeito o ardor do trabalho. Não queria escrever isto, não queria dizer como me doi ver-me apartado de ti, como a luz do teu apartamento me cega, como qualquer vulto me desfaz o coração na praceta que une os nossos prédios. Eu sei , eu sei. Temos que ser fortes, mas como Helena? Não me vejo eu agora sem a tua amizade também? Prometemos ser o ultimo aquele abraço para que o amor não nos destruisse a amizade, e agora acabamos sem ela. Desculpa-me as palavras tão duras. Tenho as mãos secas de as trazer ao vento. E este frio? Aposto que já calçaste as meias pirosas para dormir que te dei no Natal. Afinal sempre dão jeito! Vi a Joana na segunda. No café de sempre a comer o de sempre. Diz que quer fazer uma jantarada com o pessoal em casa do Mário. Perguntou-me por ti. Chamei o empregado e pedi-lhe um café. Os olhos vidrados impediram-na de repetir a pergunta. A minha mãe perguntou se ainda não te tinhas constipado. Espero que não.
Como a carta começou cou umz despedida agora não sei o que pôr no fim. Talvez um olá. Olá e até manhã. Gosto muito de ti. Dá beijinhos à tua irmã quando falares com ela. Diz-lhe que te perguntei se Guilherme já fala. Fecho os olhos e digo baixinho o que te disse à tua partida. "Amo-te"