Amor Selado                          

As cartas do nosso amor que por amizade selamos.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Querido Pedro,
Estou aqui, igual a mim mesma como quando me deixaste: numa calma inquietude que me pinta de vermelho a lágrima queimada. Não estou feliz, seria inútil dizer-te que sim: seria apenas uma mentira insustentável. Não sorria no momento em que me pousaste a mão invisivelmente fria sobre o rosto, há dias que não sorrio devido à incapacidade de o fazer; vou chorando como quem tropeça: de vez em quando e sem querer.
Não criámos um monstro, preservámos uma folha que respira: o ar é levado pelas cartas, por vezes manchadas pelas lágrimas ou até pelos sorrisos inflamados, são elas que nos invadem o corpo com um sopro quente quando nos esquecemos de como se respira.
Foi bom voltar a casa da minha avó: o jardim daquela casa: sempre foi o único motivo pelo qual eu gostaria de viver num meio mais reservado como aquele, mas não sei viver com o coração calmo- tu sabe-lo bem.
A Reunião Familiar revelou-se um desastre, tal como previa e temia. O motivo foi a causa das minhas insónias nas noites que correm: " O único homem decente que alguma vez tiveste!"- palavras da minha mãe. Não gostei que se metessem na minha vida tão indelicadamente e disse-lhes isso mesmo. Houve gritos e gestos exaltados e só a voz assustadoramente calma da minha avó os travou (soube de tudo pelo meu pai, nada pude fazer).
Levou-me ao jardim, como cada vez que, em pequena, fazia uma grande asneira, e conversámos muito junto à velha trepadeira. Não vale a pena contar-te a conversa, conheces as palavras sábias da minha avó: como sempre inventou uma história para que eu me apercebesse da situação vista de fora.
Quando voltámos para dentro a minha mãe esperava por mim com a curiosidade e o medo no olhar: nunca saberia o que me disse a avó, tinha a certeza disso, mas temia que a conversa com ela me fechasse os olhos. Elas nunca se deram bem, são demasiadas diferenças, por isso mesmo sempre contei tudo à minha avó e não à minha mãe.
Regressei a casa mais triste do que previ e para meu desespero o elevador obrigou-me a pensar na minha tristeza: avariou-se outra vez.
Escrevo-te esta carta aqui, sentada no cubículo-prisão. Desde que fiquei aqui fechada tenho a tua voz a segurar-me a desemparada cabeça. Do reduzido espaço transborda a Estrela da Tarde cantada por ti ao meu ouvido.Começam a assombrar-me agora as memórias de quando subiste ao meu apartamento pela primeira vez sem ser na qualidade de amigo. Ficámos também presos no elevador, lembras-te?
Foi então que conheci a musica que vei a fazer de banda sonora do nosso amor. Dançámos agarrados, nesta casa dos horrores que agora me aterroriza, durante tanto tempo que nos soube como uma onda: demasiado rápida e tão intensa que nos engoliu até perder a força e nos abandonar na praia.
Acho que chega de pensar e relembrar, vou premir o botão de emergência e esperar que alguém me salve.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Poderia dixer mt coisa, mas n tenho palavras pa descrever o quanto exta carta m surpreendeu e penetrou em mim. Era uma tarefa complicada dps da carta anterior do pedro e a resposta da helena superou as minhas melhores expectativas.
és uma verdadeira escritora de corpo e alma e ixo sente-se em todas as palavras c ou sem som.
Parabens***

22.2.06  
Anonymous Anónimo said...

Fogo...esta carta...ja a li e reli e nao me canso de a ler...é tao boa mas tao boa...muito bem, mesmo muito bem

1.3.06  
Blogger TatianaCarvalho said...

É verdade. tiro o meu chapéu a esta carta.
Mas no entanto, há uma pequena coisa que me faz confusão...
ficas fechada no elevador e primeiro escreves ao Pedro e só depois carregas no botão de emergência? Não sei se é suicidio ou incoerencia...mas tem a sua piada...

15.3.06  

Enviar um comentário

<< Home